O que o filme “Dois Papas” tem a ver com as soft skills?
Depois de ser apresentado ao mundo todo na maior cerimônia de premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, o Oscar, o polêmico filme “Dois Papas”, do diretor brasileiro Fernando Meirelles, traz para debate uma coletânea de fatos, conflitos, contradições e análises numa obra complexa e recheada de comparações entre o Emérito Bento XVI e seu atual sucessor aclamado pela sociedade, Papa Francisco.
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O longa, produzido pela plataforma Netflix, retrata, em meio a diversas situações (hipotéticas ou não), as diferenças claras entre Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI) e Jorge Bergoglio (Papa Francisco). Logo no começo da trama, a história é contada de forma bastante descritiva, trazendo os dois personagens como rivais, competidores e antagônicos. O início da possível disputa se deu devido à morte de João Paulo II, cujo papado durou, tradicionalmente, cerca de 27 anos – até a fatalidade de sua morte por causa naturais. A necessidade de eleger um novo representante da Igreja Católica e chefe de Estado do Vaticano foi a causa para que ambos fossem postos, em algumas cenas, frente a frente em busca da mesma posição de pontífice. Ali, até na falta de cumprimento entre ambos pela parte de Ratzinger, evidenciou que uma possível rivalidade pudesse começar a existir.
Após a eleição e vitória de Joseph e 8 anos de papado, o drama descreve a relação próxima construída pelos dois quando Bergoglio decide por sua aposentadoria ao mesmo tempo em que Ratzinger, Papa desde o conclave de 2005, por sua inesperada e controversa renúncia. Assim, rompendo mais de 600 anos de tradição sem desistências e quebrando um protocolo que ninguém, tanto sacerdotes quanto o mundo inteiro, na época, imaginava que poderia acontecer, já que o seu (até então) conservadorismo confirmava que ele cumpriria sua missão até o final.
As diferenças entre os “Dois Papas”
Enquanto o filme constrói a personagem de Joseph Ratzinger como um anti-progresso, conservador extremado, pouco flexível em relação às mudanças que o papado precisava passar para se adequar às transformações inevitáveis de uma sociedade em constante progresso. Por outro lado, Jorge Bergoglio é visto como um progressista argentino, muito comunicativo, extrovertido e engajado com as causas humanas e sociais. Em certo ponto, “Dois Papas”, inclusive, revela as ligações de Jorge com a ditadura militar da Argentina e sua incessante vontade de ajudar os menos afortunados.
Durante uma visita de Jorge ao Vaticano e, consequentemente, ao papa, a narrativa começa a moldar o que seria a primeira parte de uma visita bastante contraditória.
Para que pudesse se aposentar, Jorge precisaria da assinatura do chefe de Estado para, então, concluir sua missão como bispo. O que Jorge jamais imaginaria é que Bento XVI estava usando de sua influência para convencê-lo a não renunciar, mas, sim, assumir o seu próprio lugar como Santo Padre da Igreja Católica.
No encontro, em inúmeras situações, ambos discordam e, raramente, chegam a conclusões similares sobre os mesmos assuntos. Bergoglio via Ratzinger como um líder rígido demais e um chefe de Estado bastante disperso e pouco focado nos reais problemas da sociedade.
A decisão da renúncia de Bento XVI
Joseph, na reta final do drama “Dois Papas”, conta para Jorge, em segredo, e após uma discussão fervorosa, o motivo real de sua renúncia: ele não era capaz de se perdoar por não conseguir se posicionar perante aos pecados de seus sacerdotes em relação a um assunto tão delicado quanto a pedofilia. Seu silêncio acabou sendo o fator decisivo para que visse em Bergoglio alguém que conseguiria trazer esse caráter mais humano à gestão da Igreja. Com isso, fez com que Jorge, instantaneamente, aceitasse a passada de bastão e desistisse de sua vontade de aposentadoria precoce – via de regra, os pedidos de aposentadoria acontecem, na maioria das vezes, aos 85 anos e Jorge tinha apenas 76.
Nesse momento, Jorge percebe que o que Joseph vinha falando há dias realmente se torna realidade: um novo pensamento precisava existir dentro da Igreja Católica para que mudanças realmente sejam feitas. O emérito viu a possibilidade de mudança e redenção de sua má gestão e uma forma de mudar a opinião das pessoas que o enxergavam como um alemão nazista e rigoroso – algo que foi retratado algumas vezes no filme.
Jorge Bergoglio, em 2013, assumiu o comando da Igreja Católica e se tornou uma figura aclamada pela sociedade. Seus pensamentos progressistas e seu posicionamento sempre pacífico em relação às divergências encontradas entre os ditos da Bíblia e a realidade do planeta e da sociedade representavam a possibilidade de transformação dentro de uma instituição tão conservadora quanto a católica.
Apesar de constantes declarações por parte de membros da Igreja Católica que corroboravam que a decisão veiculada na mídia de que a decisão de Joseph foi inteiramente por motivos de saúde, teólogos, estudiosos e pessoas próximas foram a público expor que a renúncia do papa se deu graças à frustração de Bento XVI em não conseguir lidar com todos os fatos que sucederam após sua consagração em 2005 e, principalmente, sua tristeza.
As soft skills e a renúncia do Papa
O conjunto de habilidades particulares, sejam elas de natureza emocional ou social, é chamado de soft skills – como a flexibilidade, resiliência e capacidade analítica. Essas capacidades se tornam mais evidentes nas interações humanas do cotidiano. De forma mais específica, podem ser classificadas como tendências comportamentais, socializadores e socioemocionais; ou seja, quando atentamos a elas, podemos construir relacionamentos saudáveis e alocar as pessoas em funções que condizem com o perfil de cada uma.
As diferenças entre as habilidades dos dois papas eram claras e nítidas: Bento XVI tinha um perfil muito mais reservado, frio e objetivo, voltado para os estudos e considerado normativo por quem convivia com ele. Enquanto isso, o atual Papa Francisco possui competências claras de um perfil de liderança e gosta de desafios, é sociável, extrovertido e demonstra uma visão global dos fatos. Apesar das soft e das hard skills terem discrepâncias de conceito, elas têm uma coisa em comum: ambas podem ser aprendidas e desenvolvidas.
No caso do emérito, ele não se enxergava com a capacidade de resiliência, nem achava que tinha tempo de vida para aprimorar seus comportamentos e, então, ter uma liderança efetiva – muito menos de gerir a Igreja, bem como seus problemas e crises. Por isso, Bento XVI viu em Jorge Bergoglio a mudança que era necessária e enxergou, além disso, as competências que não via em si mesmo para que a gestão pudesse ser bem executada.
Mesmo sendo um caso de impacto na história e que “Dois Papas” seja uma obra cinematográfica, diversos líderes, após um tempo na função, se encontram desmotivados e pouco satisfeitos com a posição que desempenham. A satisfação e felicidade são indicadores-chave para que seja possível avaliar se a pessoa se encaixa no cargo em que está e se sua alocação está de acordo com suas habilidades (técnicas e comportamentais). A renúncia do papa Bento XVI serve de alusão às situações enfrentadas pela gestão de pessoas quando encontram casos de pedidos de demissão abruptos, altas taxas de turnover, adoecimento mental e baixa retenção de talentos nas empresas.
Com as infinitas possibilidades que a tecnologia e a indústria 4.0 trouxeram nas últimas duas décadas, hoje, é possível mensurar soft skills através de ferramentas focadas em Gestão Comportamental. O Dilemas de Gestão, por exemplo, mede as habilidades de julgamento gerencial e tomada de decisão em cenários típicos de liderança; no caso do filme “Dois Papas”, poderia ser aplicado para avaliar a capacidade de gestão de Bento XVI. Já o Questionário de Resiliência é um avaliador da capacidade de se manter resiliente nas mudanças e desafios do trabalho e, na situação do emérito, poderia apresentar as suas limitações – que ficaram claras durante o fracasso de seu papado.